O educador Paulo Freire e o presidente energúmeno
É de conhecimento da nossa nação, e das demais, que Jair Bolsonaro tem fortes e significativas limitações cognitivas, produto direto de sua deliberada falta de intimidade com as letras, o desprezo pelos livros e a ojeriza pela cultura. Não é o caso de lamentar seu passado de dificuldades e carências, ao contrário, seu padrão de […]
17 de dezembro de 2019
É de conhecimento da nossa nação, e das demais, que Jair Bolsonaro tem fortes e significativas limitações cognitivas, produto direto de sua deliberada falta de intimidade com as letras, o desprezo pelos livros e a ojeriza pela cultura.
Não é o caso de lamentar seu passado de dificuldades e carências, ao contrário, seu padrão de vida com 8 mandatos de deputado federal possibilitaria – a ele e seus filhos – um outro destino quando o assunto é conhecimento, mas não foi a opção da família. Decidiram canalizar suas energias vitais para a ignorância desavergonhada, a manipulação e ostentação de armas de fogo e a manifestação reiterada de ideias esdrúxulas e descabidas.
Não passa um dia sequer sem que alguém da famíglia não professe alguma ideia fora do lugar ou manifeste alguma forma de preconceito, que deveria ser inibida, ao menos, pelo protocolo do cargo. Mas ocorre exatamente o contrário: a condição de presidente da República colocou um megafone gigante em sua boca, dando potência às bobagens ditas antes apenas em churrascos familiares e reuniões com as milícias cariocas.
E mais espantosos ainda é que o capitão se supera espantosamente. As expressões baixas e chulas nem chegam a esfriar e lá vem outra em cima, como foi o caso da foto com um torcedor do Flamengo ornado com a camisa do time e que recebeu a alcunha de ladrão por isso: “se sumir a carteira já sei quem é”, disse sem nenhum constrangimento aparente. Dia após dia o destempero verbal ganha novos verbetes. É uma fábrica de besteiras em ritmo industrial.
O mais recente e talvez um dos mais significativos impropérios (se é possível classifica-los) foi o ataque à Paulo Freire. Na manhã da segunda-feira, 16 de dezembro de 2019, Jair Bolsonaro conversa com populares que se posicionam à frente da moradia presidencial, o Palácio da Alvorada. Entra no assunto da TV Escola e diz que a programação era “totalmente de esquerda, ideologia de gênero, dinheiro público para ideologia de gênero”.
Como se não bastasse, completa o roteiro do infortúnio apontando para os presentes e diz que “tem muita gente ali formada por esta ideologia do Paulo Freire, este energúmeno”. Em míseros segundos três grandes asneiras ganham corpo.
A primeira é sobre ideologia de gênero. Trata-se de uma criação fantasiosa que objetiva hipervalorizar a educação familiar, ou homeschooling. Opera-se a conversão entre valorizar as diferenças típicas de uma sociedade diversa, para um debate raso e falso focado em escolas que estimulam o homossexualismo.
A segunda é que, se ideologia de gênero funcionasse exatamente como ele imagina, as pessoas que estavam em sua volta o estariam vaiando e não aplaudindo, pois ele mesmo se refere a elas como “vítimas deste sistema de ensino”. Uma contradição em termo.
Mas a terceira é a mais relevante de sua miséria intelectual ao se referir a Paulo Freire como “energúmeno”. Na sua tibieza oceânica deposita na conta do educador a responsabilidade pela crise da educação brasileira, pelos resultados do PISA e pela ideologização das escolas. Tenta, de toda maneira, reconstruir a narrativa de seu legado, culpabilizando-o pelas mazelas da educação brasileira, quando ocorreu exatamente o contrário: não fosse Paulo Freire o buraco escolar desta nação seria ainda maior.
Nem é necessário citar a produção intelectual do pensador pernambucano, sua grandeza teórica, citações, prêmios e os resultados práticos obtidos na alfabetização de nosso povo. Paulo dispensa apresentações e seu nome navega pelo mundo da academia, das escolas, dos debates pedagógicos acalorados e entre os alfabetizados por seu método popular.
O valor de seu trabalho continua a ser debatido mais de 20 anos após a sua morte. Bolsonaro, ao contrário, será lembrado por sua despudorada e reprovável ignorância.
Energúmeno significa sujeito sem conhecimento; imbecil; descontrolado; possuído pelo demônio; possesso. Paulo Freire era exatamente o contrário disso. Sua delicadeza no trato pessoal, respeito ao pobre, dedicação ao trabalho e compromisso em educar o impediam de vociferar adjetivos fartamente repetidos pelo presidente da República.
Bolsonaro poderia ser, no mínimo, um republicano, discordando dos que pensam diferente dele, mas os respeitando. Existem intelectuais de direita, centro e esquerda, no Brasil e no mundo, mas ele prefere a prática da agressão verbal e da exaltação da figura do macho alfa. Tal postura evidencia quem é o verdadeiro energúmeno.
Na verdade, se este comportamento bestificado e raso ratifica a condição de “mito” para um quarto dos brasileiros, os demais três quartos vão consolidando a ideia de que temos à frente do poder executivo brasileiro uma pessoa que não está a altura do cargo, que opera cotidianamente para esgarçar o tecido social e que nos faz passar vergonha, aqui e lá fora, cada vez que abre a boca.
O presidente mede o mundo por sua régua que, de tão pequena e insignificante, pretende por inveja ou incapacidade reduzir brasileiros notáveis em figuras minúsculas e desprezíveis, como ele o é. Não conseguirá. Viva Paulo Freire.
Muito obrigado,
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL SP