Paraisópolis, Moro e o excludente de ilicitude

Neste início de dezembro de 2019 o Brasil assistiu estarrecido a mais uma chacina de jovens, negros, pobres e moradores da periferia. E mais uma vez São Paulo é o epicentro da tragédia. Num baile funk com mais de 5 mil pessoas, na comunidade de Paraisópolis na zona sul da cidade, a Polícia Militar promoveu […]

03 de dezembro de 2019

Neste início de dezembro de 2019 o Brasil assistiu estarrecido a mais uma chacina de jovens, negros, pobres e moradores da periferia. E mais uma vez São Paulo é o epicentro da tragédia.

Num baile funk com mais de 5 mil pessoas, na comunidade de Paraisópolis na zona sul da cidade, a Polícia Militar promoveu um cerco à festa, forçando o corre corre por entre vielas sinuosas e estreitas. Fala-se em mortes por pisoteio, mas é preciso esclarecer o ocorrido e a investigação deve ser exemplar. Filmagens amadoras mostram pessoas sendo surradas por policiais.

O resultado desta ação descabida foi a morte de 9 pessoas, todos jovens, sendo 4 menores de idade. Há outro tanto de feridos.

Seja qual for o ponto de partida da avaliação sobre o ocorrido, a conclusão inequívoca é que esta incursão policial foi errática, criminosa, aporofobica e, ao que tudo indica, vingativa. Um mês antes o sargento da PM Ronald Ruas Silva havia sido morto em operação, desde então os relatos de moradores apontam para ameaças e abusos cometidos pela PM.

O baile é um evento de grandes proporções e responde a uma necessidade de acesso à cultura de jovens pobres e distantes da oferta de serviços desta natureza, em geral caros, por serem legais, organizados, com higiene e segurança.

Alguns membros da Polícia Militar, ao invés de garantir condições para as coisas ocorram sem sobressaltos, agem no sentido exatamente oposto de suas atribuições legais e para o qual são contratados e formados com dinheiro público.

Qual seria a reação da sociedade caso um evento destes tivesse como saldo a morte de jovens brancos em bairros de classe alta? A resposta a esta questão foi dada pelo próprio comandante da ROTA (tropa de elite da PM de São Paulo) o tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, em entrevista à UOL em 2017:

“É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado”.

A matança de Paraisópolis nos remete a um outro debate em curso no país. O governo Bolsonaro, através de seu ministro da Justiça Sergio Moro, pretende levar à frente a proposta de criação da figura do Excludente de Ilicitude em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

A aprovação desta medida produziria no Brasil territórios de matança generalizada e sem culpados, uma vez que qualquer agente de segurança alegaria legítima defesa, sob forte estresse ou emoção exacerbada no curso da ação. O nome disso é permissão para matar. Seria a legalização dos linchamentos, pois agora autorizados, patrocinados e promovidos pelo próprio Estado.

Ao invés de agir no sentido de evitar com que esta prática reprovável se dissemine no Brasil, a aprovação da proposta promoveria, dentro dos limites da GLO, exatamente o contrário. Populações já vulneráveis que convivem com milícias, grupos de extermínio, traficantes e demais impositores que agem ao arrepio da lei, agora estariam também submetidas aos matadores fardados e impunes.

Não podemos generalizar, pois existem profissionais qualificados e conhecedores de suas funções na tropa. Não se trata aqui de analisar as consequências da medida a partir de comportamentos individuais e sim constatar que se na inexistência da lei já ocorrem excessos, imaginem com a devida permissão legal?

De tão absurda a proposta, órgãos do MPF (Ministério público Federal) classificam o Excludente de Ilicitude para militares em GLO como “flagrantemente inconstitucional”. Segundo nota técnica a proposta não apresenta paralelo nem mesmo com atos institucionais da época da ditadura militar.

Moro é o líder desta incursão pelo terreno lúgubre e criminoso da matança generalizada. É demofobia pura, criminalização da pobreza e eliminação de excessos populacionais promovidos por um governo de inspiração neofascista, cujo ideário de segurança pública transita entre a arma na cintura e os tiroteios públicos.

O que aconteceu em Paraisópolis precisa ser esclarecido e os responsáveis punidos pela criminosa incursão. De tragédia em tragédia o Brasil acima de tudo vai, pouco a pouco, se encolhendo e escondendo nas suas próprias entranhas.

Ivan Valente

Deputado Federal PSOL SP

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