A lógica do poder privado afogou Brumadinho na lama
Brumadinho não foi um acidente. Foi um crime ambiental cuja responsabilidade é partilhada pela Vale do Rio Doce, reincidente no grave delito, e por setores do Poder Público. A tragédia em Mariana, ocorrida em 2015, foi o prenúncio de outras. A combinação entre privatização, busca desesperada pelo lucro, lobby das mineradoras em cima do Poder […]
25 de fevereiro de 2019
Brumadinho não foi um acidente. Foi um crime ambiental cuja responsabilidade é partilhada pela Vale do Rio Doce, reincidente no grave delito, e por setores do Poder Público. A tragédia em Mariana, ocorrida em 2015, foi o prenúncio de outras. A combinação entre privatização, busca desesperada pelo lucro, lobby das mineradoras em cima do Poder Público e a omissão deste são os ingredientes de crimes sociais e ambientais de imensas proporções.
Como resultado trágico da somatória de irresponsabilidades, os 18 milhões de metros cúbicos da barragem do Córrego do Feijão tiraram a vida de 165 pessoas. 155 ainda estão desaparecidas. A zona rural de Brumadinho foi devastada e as águas do rio Paraopeba, enlameadas. Com o número assustadoramente alto de vítimas, esse foi o maior acidente (crime) de trabalho registrado, uma vez que boa parte dos afetados era de trabalhadores da Vale.
O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, alegou que a barragem em Brumadinho estava 100% dentro das normas. Ora, o que houve então? A alegação é indecente, já que é óbvio que não estava ou, caso contrário, não teria havido o rompimento. A outra possibilidade é supor que este tipo de barragem não pode existir. Importante pontuar que a economia mineradora e extrativista apresenta óbices ambientais claros. A sustentabilidade passa ao largo, sobretudo quando a rentabilidade e os lucros se colocam acima das pessoas.
Para além da irresponsabilidade empresarial em relação às normas de segurança, esse setor passou a operar um lobby indecente sobre o Estado para prevalecer seus interesses econômicos.
Antes da tragédia de Mariana, a bancada da lama criou uma comissão especial na Câmara dos Deputados para reavaliar o Código de Mineração. Leia-se, fragilizar as regras ambientais. Em 2014, dos 52 membros da comissão, 23 tinham recebido recursos de empresas mineradoras. Depois de 2015, algumas medidas foram tomadas para evitar tragédias ambientais, como a criação da Agência Nacional de Mineração. Essa existiu simbolicamente. A Câmara ainda derrubou uma taxa destinada a fiscalização e vistoria em prol da segurança em minas e barragens. Dois projetos destinados a aprimorar a lei que criou a Política Nacional de Segurança em Barragens passaram na Comissão de Meio Ambiente, mas emperraram na de Minas e Energia. Dos projetos que não avançaram, um previa o aumento de até 100 vezes nas multas para crimes ambientais e o outro propunha a equiparação entre rejeitos da mineração àqueles relacionados à Política Nacional de Resíduos Sólidos. A ideia de se criar um Plano Nacional de Emergência também virou lama.
O lobby não para por aí. O articulista Bernardo Mello Franco revelou uma verdadeira porta giratória utilizada por funcionários de mineradoras para sair e entrar do Ministério de Minas e Energia. No governo Temer, o segundo escalão deste Ministério foi todo ocupado por membros da Vale. A promiscuidade entre o público e o privado é gritante. Em Minas Gerais não foi diferente. Numa reunião do Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais (Copam), ocorrida em dezembro do ano passado, a Vale conseguiu aumentar em 88% a capacidade de exploração da mina cuja barragem desabou. O placar da votação nessa reunião foi 9 a 1 em favor da empresa.
Cabe ao Estado defender o bem comum. O meio ambiente, por óbvio, se encaixa nesse critério. Ao abrir mão de regras duras de fiscalização, normas ambientais claras e permitir o laissez-faire do mundo empresarial, o Estado falhou em sua atribuição. Essa falha, todavia, resulta da prática corrupta de empresas do ramo, que sequestram o bem público criminosamente para favorecer seus interesses econômicos.
Documentos recentes, trabalhados pelo Ministério Público, revelam que a Vale chegou a fazer um estudo sobre as consequências possíveis da queda da barragem. Desde outubro, a Vale sabia que a barragem de Brumadinho e outras nove estavam em estado de alerta. Ou seja, não é possível escamotear as responsabilidades.
Infelizmente, muito pouco ou nada podemos esperar do governo Bolsonaro. Durante a campanha eleitoral, o atual presidente afirmou que iria fragilizar a fiscalização, o que ele chamava de indústria da multa promovida por órgãos como o Ibama. Ao invés de propor medidas contundentes no sentido de punir os responsáveis e evitar novas tragédias, Bolsonaro optou por fazer agitação política com o desastre, trazendo militares de Israel com o intuito de agradar seu aliado internacional. Toda ajuda é, claro, bem-vinda, mas a intenção era outra. A indicação de Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente é reveladora. Ricardo, quando secretário do Meio Ambiente do governo de São Paulo, foi condenado por crime ambiental por forjar mapas ambientais da várzea do Tietê justamente para beneficiar mineradoras e a Fiesp.
Para investigar o caso com rigor, punir os responsáveis e evitar que novos crimes aconteçam, o PSOL quer emplacar na Câmara dos Deputados uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o tema.
A lógica privada do lucro a qualquer custo promove desastres ambientais e sociais, além de corromper o poder Público. Para mudar radicalmente essa situação precisamos ter uma política real de desenvolvimento sustentável e proteção ambiental. Para isso, a vida deve estar em primeiro lugar.
Vídeo Ivan Valente: https://www.facebook.com/IvanValentePSOL/videos/367928050605280/
Vídeo sobre o desastre: https://www.facebook.com/IvanValentePSOL/videos/2135381160125588/