Bolsonaro e militares golpistas não são poupados pela CPMI

Senadora Eliziane Gama, relatora da CPMI do Golpe

Senadora Eliziane Gama, relatora da CPMI do Golpe

“Embora seja loucura, há método nela.” A frase está na peça Hamlet de Shakespeare, mas cabe à avaliação que podemos fazer dos graves ataques à democracia que culminaram no fatídico 8 de janeiro de 2023. O grande mérito do relatório final da CPMI, apresentado pela senadora Eliziane Gama em 17 de outubro de 2023, é […]

21 de outubro de 2023

“Embora seja loucura, há método nela.” A frase está na peça Hamlet de Shakespeare, mas cabe à avaliação que podemos fazer dos graves ataques à democracia que culminaram no fatídico 8 de janeiro de 2023. O grande mérito do relatório final da CPMI, apresentado pela senadora Eliziane Gama em 17 de outubro de 2023, é demonstrar como a absurda e aparentemente insana invasão à Praça dos Três Poderes não pode ser explicada fora de um contexto maior, no qual métodos golpistas necessariamente responsabilizam a cúpula bolsonarista, militares incluídos.

Antes do 8 de janeiro, testemunhamos, no dia da diplomação do Lula, 12 de dezembro, uma noite de caos, com a tentativa de invasão da sede da Polícia Federal em Brasília. A apatia da Polícia Militar diante da turba bolsonarista não foi muito diferente neste episódio e no da Praça dos Três Poderes, nos dois casos permitindo, como em um torpor sonâmbulo, que criminosos se refugiassem em acampamentos nos quartéis. Sequer era preciso aguardar os lamentáveis desenlaces para prever que os acampamentos bolsonaristas nos quartéis militares funcionariam como viveiros de golpistas. É notório que ali pregavam ideias antidemocráticas, em uma repugnante nostalgia pelos tempos sombrios de nossa ditadura militar. Não eram acampamentos de férias, eram celeiros de criminosos, de gente unida pelo ódio às urnas eletrônicas e ao Supremo Tribunal, dispostos a empregar meios violentos para impor um regime autoritário, incitados por um capitão miliciano.

Fundamental, portanto, não deixar barato para as autoridades que tinham voz de comando sobre a PM e foram coniventes, para dizer o mínimo, nos momentos decisivos do golpe. Acertados os pedidos da CPMI de indiciamento do ex-comandante Fabio Augusto Vieira, além de seis outros do alto escalão da PM-DF, e de Anderson Torres, que como então secretário de segurança do DF em janeiro de 2023 teria a palavra final. Todavia, também Braga Netto e General Heleno não nos deixam dúvida de que a tolerância para com os acampados situa parte do Exército no torpe sonho de usurpação do poder à força. Braga Netto havia explicitamente encorajado acampados golpistas, quando lhes disse “Não percam a fé”, assim como General Heleno, que ousou, em depoimento à CPMI, dizer que não via nos acampamentos nada que “interessasse à segurança institucional”, o que é assombroso de se ouvir de quem comandava a GSI. Tampouco podemos ser inocentes ao lembrar que Heleno havia dito que “ladrão não sobe a rampa”, o que na mentalidade golpista só poderia significar uma dupla não aceitação: da absolvição de Lula pelo STF e do resultado eleitoral.

Jair Bolsonaro e seu séquito não podem demonstrar surpresa pela tentativa de golpe de 8 de janeiro. Após reunir embaixadores de diversos países para, utilizando estrutura pública, contestar a legitimidade das nossas eficientes urnas eletrônicas, Bolsonaro não estava mais atuando dentro das “quatro linhas da Constituição”, não estava agindo pela normalidade democrática. Melhor dizendo, seu anseio pela retomada do poder era tal que possivelmente sua expectativa era de um resultado mais sangrento, mais disruptivo, mais irremediável dos atos antidemocráticos.

Ainda assim, golpista fracassado não pode ser golpista impune. Concretizada ou não, a ameaça à democracia é corrosiva para as nossas instituições, é um prejuízo incomensurável à república. Correto portanto, o pedido de indiciamento que o enquadra por associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Ainda sobre a contestação das urnas eletrônicas, também tiveram atuação decisiva o ex-ministro da Defesa Paulo Sergio Nogueira e a deputada Carla Zambelli, que se reuniram com o hacker Walter Delgatti com o intuito de alimentar fake News sobre a possibilidade de invasão eletrônica e alteração dos resultados dos votos, hipóteses sem o menor cabimento, que serviam para manipular a ira de apoiadores de Bolsonaro. Tal empenho em insuflar um ambiente golpista rendeu a Nogueira e Zambelli seus merecidos pedidos de indiciamento. Em depoimento à CPMI, Walter Delgatti narrou o encontro bizarro e mencionou participação pessoal de Bolsonaro em tais arranjos.

As provas dos planos para uma reviravolta antidemocrática foram colhidas de uma profusão de fontes. Podemos nos valer da delação de Mauro Cid para responsabilizar o almirante Garnier Santos, que como Comandante da Marinha teria apoiado Jair Bolsonaro com todas as letras quando este consultou os chefes militares a respeito de eventual aplicação de minuta golpista. Diga-se de passagem que o ex-assessor supremacista Filipe Martins teria sido encarregado de redigir a minuta. Mas voltando a Garnier, foi artificialmente alçado ao alto comando por Bolsonaro, e com seu mito precisa descer a ladeira. Passou da hora de militares comprometidos com planos golpistas serem devidamente punidos.

O mesmo vale para General Ramos, ex-ministro da Casa Civil, para Elcio Franco, figurinha carimbada da CPI da Pandemia por envolvimento em corrupção, que volta a ser acusado, dessa vez na participação de golpe. Ainda na seara dos fardados, não esqueçamos de Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF, que cinicamente fez o que pôde com operações massivas em ônibus para impedir o livre deslocamento nas estradas onde Lula tinha ampla maioria.

Também é preciso ter maior clareza do papel do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, que nada fez para impedir os enxames bolsogolpistas nas portas dos quartéis. Também é importante o indiciamento de 8 figuras do GSI, aparentemente alinhados com o General Heleno e coniventes com os golpistas.

Não pode haver anistia para quem atentou contra a democracia. Nem os fardados podem ser poupados, nem o ex-presidente, nem os empresários e influenciadores que tal como em 1964 pretendiam reeditar uma parceria cívico-militar na tomada de poder. Lembrando que terroristas pretendiam explodir o aeroporto de Brasília na véspera de natal, não pode haver hesitação, não se pode negligenciar o perigo das movimentações extremistas. É preciso impor uma derrota definitiva ao bolsonarismo, ao gabinete do ódio, ao olavismo radical, aos que têm sonhos perversos de destituição da ordem democrática. E isso passa necessariamente por aqueles que enlamearam suas fardas ao se associarem ao projeto mais abjeto e vexaminoso que circulou pelas Forças Armadas desde a redemocratização. Ditadura Nuca Mais! Sem Anistia!

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