Viva a luta pela democracia: 43 anos da prisão do MEP

Há 43 anos, vários militantes do Movimento pela Emancipação do Proletariado foram presos pela ditadura militar. Ao todo, no fim de julho de 1977, 17 jovens mulheres e homens sofreram as terríveis sevícias e torturas que a ditadura destinava a quem ousava fazer oposição. Ivan Valente fora preso em 19 de julho de 1977 e, […]

27 de julho de 2020

Há 43 anos, vários militantes do Movimento pela Emancipação do Proletariado foram presos pela ditadura militar. Ao todo, no fim de julho de 1977, 17 jovens mulheres e homens sofreram as terríveis sevícias e torturas que a ditadura destinava a quem ousava fazer oposição.

Ivan Valente fora preso em 19 de julho de 1977 e, ao lado de seus companheiros, fez do cárcere um grito de resistência.

Ontem e hoje, a luta pela democracia segue. Quem não se dobrou naqueles tempos sombrios, não vai se dobrar agora. A memória da luta de ontem ilumina hoje a resistência. Seguimos! Vivam todas e todos que deram seus corpos à luta pela democracia.

Leia no link a carta dos militantes presos, em que são narradas os horrores e as resistências.

https://news.google.com/newspapers?id=oswyAAAAIBAJ&sjid=YQwEAAAAIBAJ&hl=pt-BR&pg=1766,4224512

Veja também relato de Ivan Valente, apresentado em 2004.

Depoimento de 2004

Eu, Ivan Valente, professor e engenheiro, nascido em 05 de julho de 1946 , relato para efeito de registro histórico e nos termos da Lei 3744/2001 do Estado do Rio de Janeiro, minha prisão política ocorrida no dia 19 de julho de 1977 na cidade do Rio de Janeiro, bem como os fatos que se sucederam após o ocorrido.

Minha prisão aconteceu no horário aproximado de 18 horas, na rua Real Grandeza, em frente o Cemitério São João Batista, bairro de Botafogo, cidade do Rio de Janeiro.

Pude visualizar pelo menos 6 homens que me deram voz de prisão, com metralhadoras encobertas por pedaços de jornal. Fui colocado imediatamente num veículo da marca volkswagen (fusca) de cor azul, algemado, encapuzado e ameaçado com uma arma na cabeça. Começaram no carro as ameaças e torturas psicológicas. Fui levado a uma dependência militar que depois soubemos ser o DOI-CODI do I Exército, na Rua Barão de Mesquita, no bairro da Tijuca.
Neste local, fui fotografado, deixado nu e encapuzado. A partir deste momento, fui submetido a 10 dias seguidos de torturas que envolveram choques elétricos permanentemente, na chamada “cadeira do dragão”, espécie de cadeira de barbeiro onde os presos eram amarrados para serem seviciados. “Pau-de-arara” e o chamado “telefone”, asfixia com saco plástico ou com o próprio capuz, também foram utilizados.
Vários dias e noites foram passados na chamada “geladeira”, espécie de câmara frigorífica, dentro de uma outra caixa de concreto e porta de frigorífico, ambas no formato de um cubo. Era uma câmara acústica, refrigerada, com câmeras de TV. Aí monitoravam todos os gestos e movimentos dos presos. Era o “Big Brother”. Alguns dos fatos relatados estão detalhados em longa carta que eu e militantes do Movimento Pela Emancipação do Proletariado — MEP escrevemos da prisão, denunciando o funcionamento do sistema. O Jornal do Brasil e outros deram ampla divulgação dos fatos.

Dez dias depois, eu e outros presos políticos fomos colocados num camburão, onde foi retirado o capuz. Pelas frestas do veículo pudemos ver que fomos transportados para um estabelecimento militar, situado na Tijuca, perto da Praça Saenz Peña, onde reconheci o local, pelo fato de ter residido nas redondezas por algum tempo.

De lá, fomos levados para o Departamento de Polícia Política e Social — DPPS, localizado à Rua da Relação no centro do Rio de Janeiro. Depois de 10 dias no DOI-CODI, com a quebra da incomunicabilidade, pudemos ver os advogados e relatar as torturas.

Os interrogatórios prosseguiram no DPPS, com ameaças, pressões, chantagens psicológicas e agressões como tapas na cabeça e chutes, e mais, com a presença dos mesmos torturadores que nos seviciaram no DOI-CODI. Pelo menos três companheiros presos regressaram à Rua Barão de Mesquita, entre eles o jornalista Luís Arnaldo Dias Campos.

Debaixo de agressões e torturas psicológicas (como as ameaças da volta de todos ao DOI-CODI), iniciamos uma greve de fome que se prolongou por vários dias. No meu caso, fui submetido a 14 horas de interrogatórios e pressões, com 6 dias de greve de fome e tendo, praticamente, não me alimentado nos 10 dias anteriores passados sob tortura, no estabelecimento do Exército.

Foram cerca de 50 dias passados no DPPS, interrogado pelo delegado Borges Fortes, sempre acompanhado de torturadores do DOI-CODI que se identificavam como participantes de tortura nos 10 dias da incomunicabilidade. O tempo todo tentaram forçar depoimentos, forjar respostas e auferir informações para o meu indiciamento e dos demais presos políticos na Lei de Segurança Nacional.

Nesse período, pude observar e sofrer na carne o exercício da função do DPPS como extensão, órgão auxiliar e complementar da máquina de tortura funcionando sob a égide do Comando do I Exército.

Tenho a relatar, ainda, que após vários dias preso no DPPS, em função das pressões e das queixas dos familiares, dos advogados e da mídia sobre o estado de saúde lamentável dos presos, foi enviado aquele órgão um legista, um farsante, um cúmplice do sistema, que desmerece a profissão e o juramento médico, nada constatando sobre a situação dos presos políticos.

Minha família contratou médico pneumologista que constatou deficiência respiratória causada por violentas pancadas no tórax, ocasionadas pela aplicação da modalidade de tortura denominada “cruz”, onde o preso com os braços abertos recebe violentos golpes no peito.

Outro médico ortopedista, também contratado por minha família, detectou problemas graves no joelho, um “derrame” (inchaço que impede o movimento). Esta seqüela no joelho esquerdo permanece até hoje, já que tive os ligamentos partidos por conta de violentas pancadas laterais.

Terminada a fase de interrogatórios, feita da maneira relatada, fomos transferidos para o presídio Esmeraldino Bandeira, em Bangu, Rio de Janeiro, onde aguardamos o desenrolar do inquérito.

É o relato de interesse, para os fins previstos.
São Paulo, 19 de novembro de 2004.
Ivan Valente

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