Na direção totalmente errada
Todo o consenso é burro? A máxima pode não ter valor universal, mas certamente vale para o mantra liberal impregnado na imprensa brasileira. A visão neoliberal tornou-se um dogma. Seus defensores são verdadeiros neopentecostais da economia, que urram quando ouvem uma voz dissonante. O Editorial da Folha de hoje assina em baixo a visão do […]
05 de novembro de 2019
Todo o consenso é burro? A máxima pode não ter valor universal, mas certamente vale para o mantra liberal impregnado na imprensa brasileira. A visão neoliberal tornou-se um dogma. Seus defensores são verdadeiros neopentecostais da economia, que urram quando ouvem uma voz dissonante.
O Editorial da Folha de hoje assina em baixo a visão do banqueiro Paulo Guedes. Em nome da “modernização” do Estado, defendem uma política privatizante de toda a vida social.
Vamos lembrar do passado recente. A crise que vivemos começou com Dilma, e seu ministro Joaquim Levy. Naquela ocasião, foi feita a avaliação de que os gastos do Estado subiram muito, o que aumentou a dívida pública e asfixiou a capacidade de ação estatal. Logo, a resposta deveria ser cortar tudo o que fosse possível para “equilibrar as contas”.
Todavia, o que comprometeu as contas públicas foi o baixo crescimento econômico aliado a juros altos. Não a gastança pública.
Entre os anos 2007 e 2014, a dívida manteve-se estável em 57% do PIB. Isso porque, no período, os juros nominais contribuíram para o crescimento em média de 5,7% da dívida por ano, enquanto o crescimento nominal do PIB ficou em 5,6%, garantindo a estabilidade da dívida.
Entre 2015 e 2018, o crescimento econômico foi de 2,8% em média, enquanto os juros nominais contribuíram para o aumento de 7,1% da dívida por ano. O déficit primário responde por 0,5% do aumento da dívida por ano. Ou seja, os gastos públicos não são o vilão da história (Esther Dweck (UFRJ), Fernando Maccari Lara (Unisinos), Guilherme Mello (Unicamp), Julia Braga (UFF) e Pedro Rossi (Unicamp)).
Pois bem. Michel Temer piorou imensamente a situação, quando levou adiante, ao sabor da Folha e de outros neoliberais, a reforma trabalhista e a PEC do Teto. Henrique Meirelles prometeu dois milhões de empregos com a “modernização” das relações de trabalho. Mentira. Nada disso. Ainda hoje temos mais de 12% de desempregados. E os empregos que foram criados são muito mal remunerados e trabalhos informais.
A PEC do Teto, que congela os investimentos sociais, liquida na verdade com os serviços públicos, de modo a sobrar recursos para a dívida. Vejam bem: retiram do pobre para dar aos ricos. Esse é o mesmo espírito da reforma da previdência. Milhões de brasileiras e brasileiros ficarão ao deus dará no momento mais importante de suas vidas para que o “risco Brasil” não suba.
O risco correrá os milhões de desamparados. É nesse ponto que o Editorial, ao concordar com Guedes, comete um erro fenomenal. As políticas de austeridade promovem vítimas sociais. Defendem um crescimento econômico pautado na super-desigualdade social, na destruição ambiental e na recolonização do país.
Guedes pretende agora atacar servidores públicos, flexibilizar as regras do orçamento e privatizar o que for possível. Essa agenda não recuperará a economia. Depender do investimento prioritariamente privado, em tempos de turbulência internacional, é rezar para o santo do pau oco.
Precisaríamos do contrário. O Estado deve ter capacidade de investimento, sem o qual o ritmo de recuperação será muito lento. Além disso, é preciso que se diga. Defender um Estado menor significa defender que os pobres sofram. A agenda de Guedes levou o Chile à insurreição popular em razão do desamparo social. Saúde, educação e previdência são privados. Quem tiver para pagar, ótimo. Quem não tiver, paciência.
Do banqueiro Paulo Guedes não esperamos nada. Ele despreza os pobres. O grupo Folha deveria ter ao menos a honestidade de dizer que aceita o massacre social da massa de miseráveis do país em nome do mercado financeiro.
Por fim, queremos registrar algo muito importante. O governo Bolsonaro é catastrófico. Literalmente. O que impede o seu degringolamento é a agenda econômica pró-mercado. Quando a Folha ou outros grupos empresariais saem em defesa acrítica de Guedes, dão guarida ao governo autoritário de Bolsonaro.
De um lado está Bolsonaro com sua agenda pró-concentração de renda. Do outro, está a democracia. Cada qual escolhe onde quer ficar.
Ivan Valente (deputado federal – PSOL/SP)