Bolívia: entre o interesse popular e o golpismo da ultra direita

De novo um golpe. De novo a Bolívia. De novo a direita. A Bolívia volta a sofrer um golpe de Estado típico da época da Guerra Fria, quando o país conviveu a uma sequencias intermináveis de rupturas institucionais do poder, em função das disputas internas entre frações da burguesia nacional pela exploração das riquezas naturais, […]

12 de novembro de 2019

De novo um golpe. De novo a Bolívia. De novo a direita.

A Bolívia volta a sofrer um golpe de Estado típico da época da Guerra Fria, quando o país conviveu a uma sequencias intermináveis de rupturas institucionais do poder, em função das disputas internas entre frações da burguesia nacional pela exploração das riquezas naturais, especialmente as minerais.

Após acentuada instabilidade política e econômica a chegada de Evo Morales ao poder trouxe estabilidade, crescimento econômico e distribuição de renda. Nesta última década e meia o país, profundamente desigual e injusto, começou a conviver com redução do desemprego e melhora na qualidade de vida.

O governo Evo Morales apostou no essencial: incluiu o povo nas suas preocupações. Criou programas sociais de distribuição de renda fortalecendo seu poder de compra e o mercado interno, por consequência.

O resultado foi um crescimento econômico que gira em torno de 5% ao ano, levando a Bolívia a patamar de destaque na América Latina.

Não foram dias fáceis, no entanto, para colocar em marcha tal plano. Foi preciso enfrentar interesses poderosos para nacionalizar empresas, especialmente as envolvidas nas atividades de gás, petróleo e mineração. As multinacionais tiveram que renegociar contratos com a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos, que passa a ter maior protagonismo no mercado.

Do ponto de vista social os efeitos dos programas foram impactantes. “O percentual da população abaixo da linha de pobreza na Bolívia caiu de 63% para 35% entre 2005 e 2018, de acordo com o Banco Mundial”, publicou o BBC Brasil. A matéria ainda identifica os principais programas sociais. “Entre os principais programas que existem hoje na Bolívia estão o Bono Juancito Pinto, com foco nos estudantes, o Renta Dignidad, voltado para idosos, e o Bono Juana Azurduy, pago a mulheres grávidas ou com filhos pequenos.”

O fato é que as elites nativas, assim como no Brasil, não admitem que gente oriunda das classes mais pobres assumam posição de destaque no país. A origem humilde e de trabalhador cocaleiro de Evo é um fator impeditivo à ocupação de postos de relevância e de permanente tensão na gestão. A aporofobia e o racismo são elementos fundantes na estruturação do ethos das elites, inclusive a boliviana.

A relativa estabilidade política e o crescimento econômico alcançados não foram suficientes para aplacar a sanha golpista das elites e seus sabujos.

A quarta vitória consecutiva de Evo foi acompanhada de ações que iam de simples protestos e passeatas públicas até agressões físicas e humilhações a autoridades nacionais, como ocorrido com a prefeita Arce Guzman da cidade de Vinto, da província de Cochabamba, que teve o cabelo cabelo cortado, pintado de rosa e foi obrigada a andar descalça por vários quarteirões em meio a gritos de “assassina”.

Há casos mais graves, como o ateamento de fogo em casas de familiares de Evo Morales e outros membros do governo, sequestro de pessoas, incluindo crianças e agressões de lideranças sindicais e populares.

Está em curso, na Bolívia, um misto de golpe à moda antiga temperados com elementos dos tempos digitais. A ação das forças armadas, apoio de nações vizinhas (como o Brasil que aparece em áudios nas articulações com os militares), articulados pela CIA, respeitam o clássico roteiro de desestabilização política, porém agora combinados com elementos novos como disseminação de Fake News, uso intensivo de redes sociais e o achincalhamento pessoal. São os golpes tradicionais associados à guerra híbrida e revoluções coloridas.

O resultado é a construção de narrativas e lideranças sem substância e popularidade. O dirigente do golpe, Macho Camacho, teve os simplórios 4% nas últimas eleições, amargou apenas o quarto lugar e agora posa de comandante do descontentamento social. Um figurante de quinta categoria alçado artificialmente, incensado nas redes sociais e alimentado pela grande mídia nacional.

Camacho é um nada que se transforma, da noite para o dia, em opção. Religioso fervoroso e incapaz (sabemos bem o que significa ser liderado por gente assim no Brasil) o desconhecido líder de coisa alguma colocou fogo no país e foi um dos mentores dos ataques às famílias dos cocaleiros e dos membros do MAS, movimento liderado por Evo Morales.

A ultra-direita mostra a sua verdadeira faceta e seu desprezo pelas eleições e o voto popular. No Brasil o golpe é saudado pela grande mídia que prefere atacar Evo e a vitória eleitoral e poupa o golpista Camacho. Compreensível, já havia agido assim com o impeachment de Dilma e a mentira das pedaladas.

Pode-se dizer que o grande pecado de Evo Morales foi redirecionar a economia para o interesse nacional, enfrentar o capital financeiro e as multinacionais e buscar maior igualdade social num país assolado pela pobreza e a miséria. As elites nativas não suportam que alguém que não tenha seu DNA seja capaz de dirigir uma nação.

Golpistas, não passarão.

Ivan Valente

Deputado Federal PSOL SP

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