Chile: de laboratório do neoliberalismo à sublevação social
Tunísia, Egito, EUA, Portugal, Espanha, Turquia, Brasil, Equador e Chile. O que há em comum entre esses países? Neles, ocorreram levantes sociais contra políticas que se desenvolveram após a crise econômica de 2008. A radicalidade e violência do neoliberalismo, que, no conflito distributivo, liquidou com direitos sociais em nome do capital financeiro, levaram os povos […]
22 de outubro de 2019
Tunísia, Egito, EUA, Portugal, Espanha, Turquia, Brasil, Equador e Chile. O que há em comum entre esses países? Neles, ocorreram levantes sociais contra políticas que se desenvolveram após a crise econômica de 2008. A radicalidade e violência do neoliberalismo, que, no conflito distributivo, liquidou com direitos sociais em nome do capital financeiro, levaram os povos às ruas. O Equador há poucas semanas se viu em chamas, quando os indígenas organizados se levantaram contra o aumento na tarifa dos combustíveis. O governo de Lênin Moreno foi obrigado a recuar, não sem antes mudar a capital de Quito para Guayaquil, a fim de perder os anéis ante os dedos.
No fim de semana, as estações de trem e metrô, em Santiago, foram palco de “catracaços”. Revoltados com o aumento nos preços tarifários – de 800 pesos para 830 (R$4,63 para R$4,80), estudantes resolveram pular as catracas como forma de protesto. A repressão policial selvagem, digna de regimes ditatoriais, gerou imensa resposta popular. Aos olhos de todo o país, o rastilho de pólvora havia sido acendido. O fogo tomou as ruas, barricadas, prédios, estações. A luz candente iluminava o problema real. Como diz a música “Cacerolazo”, hit que embala em dança as manifestações, “não são pelos 30 pesos, são pelos 30 anos”. Formulação muita parecida com a nossa palavra de ordem de 2013: “não é só pelos vinte centavos”. Os chilenos estão dizendo que as manifestações são pelos 30 anos de neoliberalismo.
Vale lembrar que ainda durante a ditadura de Pinochet, o Chile tornou-se laboratório das políticas neoliberais, elaboradas na Escola de Chicago. Essas políticas se orientam pela premissa “ao mercado, tudo; ao povo, as sobras”. Se houver sobras. A educação chilena foi privatizada. Os serviços públicos, destruídos. Foi feita uma reforma da previdência que substituiu o regime de solidariedade social pela capitalização, ou seja, cada um recebe em sua velhice o que pôde pagar aos bancos durante a vida laboral. Se pagou pouco, receberá pouco. Se não pagou, não receberá.
A vida dá voltas. Um dos economistas que prestou serviços ao facínora Pinochet foi Paulo Guedes. Guedes, que presta hoje serviço para outro verdugo, põe em prática no Brasil a mesma orientação econômica que levou o Chile ao levante.
Nesse momento, o Chile encontra-se em estado de emergência, sob o comando do general Javier Iturriage. A capital e outras seis regiões estão com toque de recolher às noites.
De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, há ao menos 13 mortos, mais de 1330 presos e 88 feridos a bala. Nada disso, sem embargo, parece ter força para cessar a explosão de indignação.
O analista político Ascario Cavallo lista cinco elementos para entender o cenário atual. O primeiro tem a ver com o aumento da passagem no metrô, algo que prejudica as classes médias e baixas. Em um segundo plano, encontra-se a juventude que nega as autoridades e se dispõe a enfrentar as forças de repressão na rua. Em terceiro lugar, estão as classes marginalizadas, que passaram a saquear mercados e lojas. Em quarto, grupos tidos como anarquistas, que estimulam a resistência à violência de Estado. E, por fim, a oposição política ao governo de Sabastián Piñera, a qual tendo a Frente Ampla como principal referência, sugere uma Assembleia Constituinte para resolver a situação.
Piñera é um direitista convicto. Um neoliberal. Alguém que declarou estar em guerra contra seu próprio povo cansado da miséria e do sofrimento. Ele representa a falência dessa nova direita na América Latina.
A Central Unitária dos Trabalhadores convocou uma greve geral para a próxima quarta-feira. A luta continua. Se espalha, embora o aumento tenha sido revogado. Sem sombra de dúvidas, não é fácil encontrar uma saída para o conflito deflagrado. O povo chileno reivindica outro modelo de sociedade, que priorize o bem comum e não os privilegiados. Estamos falando da luta dos 99% contra 1%. É chegada a hora de pôr fim ao neoliberalismo. Revoltas, como a dos equatorianos e a dos chilenos, exigem outro padrão de desenvolvimento de sociedade. Toda a violência vista não é outra coisa se não anos de ressentimento. Pode parecer apenas um levante marcado pelo “vandalismo” ou “delinquência”, como diz o ricaço Piñera. Mas é uma mensagem de profunda indignação com uma sociedade em que os bancos ganham nas costas de quem perde qualquer expectativa de vida digna.
Os chilenos se levantam em 2006 e 2011 em defesa da educação pública. Agora, exigem outra Constituição capaz de assegurar direitos sociais. Não sabemos exatamente qual será o desdobramento final. Iremos, no entanto, apresentar a nossa total solidariedade aos chilenos e chilenas que enfrentam a violência de Estado para dizer basta ao neoliberalismo!
Ivan Valente (Deputado Federal – PSOL/SP)