Cortar os gastos públicos vai condenar o país à pobreza

Cortes no orçamento prejudicam trabalhadores e os mais pobres

Formou-se, sobretudo após a crise de 2008, um péssimo consenso em relação à pauta econômica, que é o seguinte: o problema fiscal do Estado decorre da suposta gastança de recursos públicos; a resposta certa seria cortar gastos nas áreas sociais e o investimento público para adequar as contas. Tais medidas garantiriam segurança e estabilidade para […]

19 de setembro de 2019

Formou-se, sobretudo após a crise de 2008, um péssimo consenso em relação à pauta econômica, que é o seguinte: o problema fiscal do Estado decorre da suposta gastança de recursos públicos; a resposta certa seria cortar gastos nas áreas sociais e o investimento público para adequar as contas. Tais medidas garantiriam segurança e estabilidade para o avanço dos investimentos privados. Essa é a chamada agenda da austeridade. Ela tornou-se um mantra, quase um dogma religioso. Ocorre, todavia, que essa agenda econômica é trágica para os mais pobres, gera aumento da pobreza, da desigualdade, do desemprego e não retoma o crescimento econômico.

É exatamente isso o que revela o artigo “Por que cortar gastos não é a solução para o Brasil ter crescimento vigoroso?”, publicado no jornal Folha de São Paulo pelos economistas Esther Dweck (UFRJ), Fernando Maccari Lara (Unisinos), Guilherme Mello (Unicamp), Julia Braga (UFF) e Pedro Rossi (Unicamp).

Em primeiro lugar, os professores fazem questão de deixar claro que o Estado brasileiro não está quebrado. Possuímos vastas reservas internacionais, acima de 380 bilhões de dólares. Mais importante do que isso, no entanto, é o fato do Estado exercer funções fiscais em sua própria moeda e poder alocar recursos de acordo com decisões coletivas da sociedade brasileira.

Entre os anos 2007 e 2014, a dívida manteve-se estável em 57% do PIB. Isso porque, no período, os juros nominais contribuíram para o crescimento em média de 5,7% da dívida por ano, enquanto o crescimento nominal do PIB ficou em 5,6%, garantindo a estabilidade da dívida.

Entre 2015 e 2018, o crescimento econômico foi de 2,8% em média, enquanto os juros nominais contribuíram para o aumento de 7,1% da dívida por ano. O déficit primário responde por 0,5% do aumento da dívida por ano. Ou seja, os gastos públicos não são o vilão da história.

O crescimento das receitas primárias desacelerou nos últimos anos. Entre 2003 e 2010, desacelerou 5,2% ao ano, sendo que entre 2011 e 2014 a redução foi de 3,5%. Por fim, nos anos que vão de 2013 a 2018, 0,5%. Ocorre, todavia, que a redução das receitas nesses anos foi maior que o desaquecimento dos gastos, o que contribuiu para o aumento do déficit. Sem embargo, é preciso apontar que o aumento da dívida pública é resultado do desequilíbrio causado entre aumento dos juros e queda do crescimento econômico.

Os economistas ortodoxos insistem, portanto, no diagnóstico errado. Se o problema não tem a ver com gastança, a austeridade não resolve. Pior. O enxugamento do Estado agrava violentamente a situação. Paul Krugman, nobel de economia, afirma que a austeridade é um “culto em decadência”, enquanto que “as pesquisas que lhe davam credibilidade estão desacreditadas”. Infelizmente, essa lição ainda chegou para Paulo Guedes.

O Brasil enfrente grave situação econômica. A recuperação se dá a passos de tartaruga. A PEC 55, que limita o reajuste dos gastos sociais à inflação do ano anterior, corre o risco de paralisar a máquina pública. O orçamento de 2020 propõe míseros 19 bilhões em investimentos, o menor patamar em muitos anos. Guedes pretende liquidar o Estado, através de seu enxugamento e privatizações. Ou seja, exatamente o oposto do que deveria ser feito. O Brasil precisa de mais Estado, inclusive para salvar a economia capitalista. Não há expectativa de que vai aumentar o investimento privado. Mesmo porque lucrativo no Brasil é comprar títulos da dívida, em razão dos altos juros, algo que não gera emprego, tampouco recupera a economia. A retomada do crescimento se dará com investimentos públicos e com a capacidade do Estado de estimular a demanda, ou seja, o mercado interno.

O cenário brasileiro se torna ainda mais sombrio em razão de dois aspectos. Primeiro, a desaceleração nos países da OCDE. Larry Summers, quem foi chefe do Tesouro dos EUA no governo Bill Clinton, apresenta que vivemos num cenário de “estagnação secular”. Isso significa que a economia dos países desenvolvidos, exceto a China, crescerá modestamente e sofrerá com mais recorrentes e agudas recessões. Em segundo lugar, observamos que os três principais parceiros comerciais do Brasil são China, EUA e Argentina. Os dois primeiros estão em guerra comercial. Em especial nos EUA corre-se o risco de 50% de recessão até o fim do mandato de Trump, segundo Summers. A Argentina está quebrada. Todo esse cenário contribuirá negativamente para a queda de expectativa da economia brasileira. Guedes aposta que o Brasil crescerá 2,17% em 2020.

Nessa semana, o jornal Financial Times lançou uma manchete curiosa: “Capitalism. Time for a reset” (Capitalismo. Momento para recomeçar). O reconhecimento da crise sistêmica do capital é generalizado. Somente os mais fiéis neoliberais não conseguem ver. Ou a sociedade retoma a democracia para si, ou assistiremos a escala da barbárie.

Ivan Valente (Deputado Federal – PSOL/SP)

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