Seis meses de um desastre

O governo Bolsonaro completou seis meses na última segunda-feira, 1º de julho, são tantos os acontecimentos e crises diárias que a sensação é de que se passou muito mais tempo. Não tem um dia que não apareça uma bomba, de uma declaração desastrada, à cocaína no avião presidencial, passando pelo mal uso da matemática pelo […]

03 de julho de 2019

O governo Bolsonaro completou seis meses na última segunda-feira, 1º de julho, são tantos os acontecimentos e crises diárias que a sensação é de que se passou muito mais tempo. Não tem um dia que não apareça uma bomba, de uma declaração desastrada, à cocaína no avião presidencial, passando pelo mal uso da matemática pelo presidente e seu ministro da Educação.

Assumiu negando acordos com os partidos políticos que o apoiaram no 2º turno, mas isso não significa que não houve o famoso toma lá dá cá. Optou por colocar nos ministérios os líderes das chamadas bancadas temáticas, da bala, da bíblia, do boi. Em outras palavras, fez acordos, mas com as pessoas erradas, já que são os líderes partidários da maioria na Câmara que controlam a pauta e o ritmo das votações. Mas a partir dos ministérios voltados às bancadas temáticas houve distribuição de cargos e acordos políticos como qualquer outro governo na história do Brasil, isso não mudou em nada. 

Ao não conseguir construir uma base sólida no Congresso, sofreu derrotas e perdeu o protagonismo no debate sobre a Reforma da Previdência. Não à toa, recorreu a decretos e MPs, atropelando a própria legislação, como no caso dos vários decretos das armas.

O PSL, partido do presidente, também demonstrou sua total incapacidade de ser o porta voz do governo, pivô de crises recorrentes, de disputas de vaidades e de olho mais nos likes nas redes sociais do que nas articulações no Congresso, é o partido responsável por escândalos como o do laranjal com desvio de dinheiro público do fundo eleitoral que deveriam ser aplicados em candidaturas de mulheres, mas foram direcionados para beneficiar os líderes do partido, como o deputado federal e hoje ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, em Minas Gerais, e o deputado federal e presidente do PSL, Luciano Bivar, em Pernambuco. Esse escândalo custou a demissão do ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gustavo Bebianno e colocou na corda bamba o ministro do turismo. 

O modelo adotado por Bolsonaro na composição dos ministérios e na sua forma de governar também se mostrou completamente instável, apesar de dar peso aos militares, na prática, seus filhos, em especial o vereador Carlos Bolsonaro, passaram a ter mais poder de decisão, todos que entraram em rota de colisão com o chamado 02 caíram ou perderam espaço. Agora, quem entrou na fritura, é o Onnyx Lorenzoni, cada vez mais sem prestígio dentro do governo. 

Outros ministros também viram ofuscadas suas estrelas, o “superministro” Paulo Guedes não conseguiu emplacar seu principal objetivo e de seus amigos banqueiros, o modelo de capitalização na Reforma da Previdência. Além disso, todos os índices econômicos se deterioram, a previsão de crescimento do país em 2019 foi revisada 17 vezes, sempre para baixo. O desemprego aumentou e a miséria também. O ministro de uma nota só, a reforma da previdência, deixa claro que não tem projeto, não tem iniciativa política para enfrentar a crise. Aposta todas as fichas num modelo econômico que já está em pleno vigor há pelo menos 4 anos, desde Joaquim Levy, à frente do ministério da Fazenda ainda no governo Dilma, passando por Henrique Meirelles com Temer e agora com a radicalização de Guedes. Esse modelo já deixou claro seu esgotamento e incapacidade de apontar saídas, sem investimentos do Estado, sem criar as condições favoráveis para o crescimento da economia, não existe investimentos privados no setor produtivo. Aposta todas as fichas na Reforma da Previdência, como se fosse uma bala de prata. Mesmo o mais otimista dos liberais sabe que se a reforma foi exitosa para os objetivos deles, isto é, retirar direitos dos trabalhadores, baratear a força de trabalho e diminuir os gastos públicos, isso só terá resultado à médio prazo. Além disso, a reforma tem o efeito contrário, tira mais dinheiro de circulação, concentra ainda mais a renda, contrai o consumo, isso significa mais crise e mais desemprego.

Outro “superministro” que viu seu balão de ar esvaziar foi o Sérgio Moro, primeiro Bolsonaro deixou claro que ele não tinha autonomia coisa nenhuma, depois vieram os vazamentos das conversas no Telegram que colocaram de forma clara para o povo brasileiro o papel parcial, em conluio com acusação, de Moro, na Lava Jato. Apesar das tentativas da grande imprensa de blindar o ministro, ele já perdeu 10 pontos de sua popularidade e deve continuar sangrando ao ser mantido no ministério. Bolsonaro nem faz uma defesa tão enfática de Moro, parece que na primeira oportunidade vai querer se livrar do ex-juiz que faz sombra pra ele numa disputa futura à reeleição. Vale lembrar que Moro era o fiador ético desse governo, isso já veio arranhado desde o início, afinal, foi Moro quem condenou Lula, que poderia ter derrotado Bolsonaro, mas de qualquer modo, se perdê-lo, o desgaste será ainda maior.

Fora os militares, os das bancadas temáticas, e os dois ex-superministros, temos os ministros aloprados, Damares, Ernesto Araújo, Weintraub e Salles. Esses representam a parte mais ideológica e as maiores fontes de crises diárias do governo. Weintraub conseguiu transformar o corte de verbas recheado com suas declarações desastradas na maior mobilização contra esse governo até agora, milhares foram as ruas no 15 de maio e no 30 de maio em defesa da educação. Sua visão ideológica, de perseguição política e seu despreparo para tocar pontos básicos do ministério viraram um elemento ultra explosivo, não é à toa que foi aconselhado a se calar, criando menos polêmicas nos últimos dias. 

Na política exterior, chama a atenção a subserviência aos EUA, a Trump, e a disposição a criar incidentes com corte ideológico, como no caso da proposta de Embaixada Brasileira em Jerusalem. Foram tantos os reveses e micos internacionais em suas viagens que aparentemente Bolsonaro resolveu mudar a forma de atuar no G-20, teve que engolir a seco as críticas à política ambiental brasileira e assinou um acordo que já estava desenhado a mais de 20 anos, tendo inclusive, que baixar a bola em relação ás suas críticas ao Mercosul. Tal acordo, feito mais pela União Europeia para tentar ajudar o presidente argentino Mauricio Macri, que tenta a reeleição envolto numa crise econômica, do que qualquer outras coisa. De todo modo, vem num momento de crise, de fragilidade ainda maior da nossa economia, podendo trazer mais prejuízos do que ganhos. 

Na questão ambiental está uma das faces mais terríveis desse governo, segundo o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE), só em 2019 a Amazônia teve desmatada a área de um Estado de São Paulo e meio. O governo liberou também somente neste ano 211 novos agrotóxicos, boa parte deles, proibidos em outros países. A política de estrangular os órgãos de fiscalização, como o Ibama, tem consequências cada vez mais deletérias e irreversíveis. A frente do ministério, se encontra um condenado justamente por crime ambiental, Ricardo Salles, no Partido Novo, foi condenado por falsificar mapas da Várzea do Tietê, a pedido da FIESP,  e anda assediou e pressionou funcionários do Instituto Florestal. Parece que essa prática lhe é recorrente, agora está sendo processado por funcionários do Ibama também por assédio.

Na opinião pública, Bolsonaro é o presidente que mais rapidamente perdeu apoio depois da redemocratização em 1985. Seus índices são piores até mesmo que Fernando Collor que no mesmo período de tempo havia feito um Plano Econômico altamente impopular que confiscou a poupança de uma parte dos brasileiros. Hoje, 1/3 aprova Bolsonaro, mas 2/3 o rejeita. Seu eleitor mais fiel é o da chamada classe média, por volta de 5 salários mínimos e da região sul do país. Bolsonaro perdeu apoio principalmente entre os mais pobres.

As manifestações de rua pró Bolsonaro têm tido correspondência com as pesquisas, cada vez é um núcleo mais reduzido, porém mais radical e obtuso. Eleito com base em promessas de um populismo de direita e com base em Fake News, aos poucos a tolerância a Bolsonaro vai diminuindo e ele vai ficando cada vez mais isolado. O seu principal discurso, o de jogar a culpa em seus antecessores, também perde força com o passar do tempo, agora não são só 6 meses, mas já são 6 meses, tempo suficiente para um governo apresentar alguns resultados, e principalmente, para apontar um caminho, um norte a ser seguido. Bolsonaro não só não tem resultados, com as expectativas são as piores possíveis, principalmente em relação à economia. Sem resolver essa questão básica para qualquer governo e sendo instável na política, com capivaras para responder como o laranjal do PSL, Queiroz e as ligações com a milícia, Bolsonaro deve patinar ainda mais nos próximos meses. A tendência é, como todo populista de extrema direita, ser abandonado pelo povo, gerando mais raiva e frustração, a questão é saber quando, em que ritmo e qual a saída possível. De qualquer modo, o preço pago pela aventura de quem o colocou na presidência é altíssimo, a pergunta que fica é se o Brasil sobrevive ao Bolsonaro.

Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP

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