Lutar não é crime
O cenário atual de autoritarismo mostra cotidianamente as suas consequências sórdidas. A democracia está sufocada. Desde o fim da ditadura militar, nunca a perseguição aos que lutam por direitos foi tão acentuada. Nesse contexto, ficamos sabendo ontem de uma grave investida policial, realizada na segunda, 24, contra integrantes de alguns movimentos de moradia do centro […]
25 de junho de 2019
O cenário atual de autoritarismo mostra cotidianamente as suas consequências sórdidas. A democracia está sufocada. Desde o fim da ditadura militar, nunca a perseguição aos que lutam por direitos foi tão acentuada. Nesse contexto, ficamos sabendo ontem de uma grave investida policial, realizada na segunda, 24, contra integrantes de alguns movimentos de moradia do centro de São Paulo.
Com a autorização questionável do juiz Marco Antônio Martins Vargas, o Departamento Estadual de Investigações Criminais da Polícia Civil desempenhou 17 ordens de busca, apreensão e prisão temporária de nove integrantes de movimentos, dentre os quais Preta Ferreira, Sidney, Ednalva e Angélica. Todos eles do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC).
A acusação contra eles é absurda. A investigação surgiu no esteio do incêndio seguido de desabamento no largo do Paissandu, em 2018. Naquela ocasião, surgiram denúncias anônimas de extorsão, ou seja, cobranças indevidas feitas por lideranças aos ocupantes de alguns prédios. Na verdade, isso foi utilizado como pretexto para a criminalização de movimentos honestos. Fundamental registrar que o MSTC nada tinha a ver com a ocupação do prédio que desabou. Além disso, a principal dirigente do MSTC, Carmen Silva, mãe de Preta e Sidney, respondeu à Justiça em relação à acusação. No início deste ano, o juiz Marcos Vieira de Morais, da 26ª Vara Criminal de São Paulo, reconheceu a legitimidade de Carmen, após análise das falsas denúncias e da prestação de constas do MSTC.
Não podemos confundir as boas lutas com quem realmente cometeu ou comete irregularidades. Que fique claro isso. Lutar não é crime. Quem eventualmente cometeu infrações, deve pagar por seus atos.
De maneira inacreditável, as mesmas denúncias voltaram anonimamente. Poucas testemunhas de acusação foram ouvidas. O delegado responsável pelo caso, André Vinicius Figueiredo, justificou os pedidos de prisão com base exclusivamente em relatos, sem nenhuma prova material. Desconsiderou por completo que Carmen já havia explicado à Justiça o caso. Os pedidos de prisão temporária são ainda mais absurdos uma vez que nenhum dos militantes presos se recusou a prestar contas ou depoimentos. Todos eles atuam livremente e lutam por moradia. Elucubrar possível obstrução é injustificável.
Estamos diante de uma tentativa de criminalização dos movimentos sociais. Buscam atacar as lideranças para desarticular o movimento. Importante dizer que essas pessoas estão à frente da Ocupação Nove Julho, exemplo de organização, que congrega a luta por moradia, reflexão política e atividades culturais. Contra essa ocupação, há pedido de reintegração de posse. Importante dizer também da participação de Carmen na ocupação que serviu de inspiração ao consagrado filme “A Era do hotel Cambridge”.
Ontem, 24, muitos estiveram presentes no DEIC para prestar solidariedade aos presos e dizer que não aceitam a criminalização dos movimentos sociais. Parlamentares, artistas, como Ana Cañas, Maria Gadu e Chico Cesar, e vários ativistas estiveram lá. Preta e seus amigos de luta não estavam sozinhos. Nós também estivemos presentes a fim de demonstrar apoio e conversar com o delegado, André Vinicius, para demovê-lo da acusação. Sentimos que o delegado ouviu nossos argumentos, tendo ele se comprometido a apresentá-los hoje à Justiça. Assim, esperamos.
Queremos, dessa tribuna, apresentar a grave denúncia. Não podemos aceitar que calem os movimentos sociais. Não podemos aceitar que criminalizem os que lutam por justiça. Não deixaremos morrer a democracia. Esperamos que a Justiça conceda a liberdade a todos que a perderam temporária e injustamente. Preta livre! Liberdade para Sidney, Ednalva e Angélia. Quem não luta está morto!
Ivan Valente