MP do INSS: Suposto combate à fraude é usado para retirar direitos
O governo Bolsonaro está na iminência de apresentar para o Congresso Nacional o texto da Reforma da Previdência e uma das mágicas pretendidas pelo governo é agradar ao mercado financeiro e ao mesmo tempo tentar escapar da justa crítica de que serão os mais pobres os mais penalizados por essa reforma. Vão querer vender para […]
25 de fevereiro de 2019
O governo Bolsonaro está na iminência de apresentar para o Congresso Nacional o texto da Reforma da Previdência e uma das mágicas pretendidas pelo governo é agradar ao mercado financeiro e ao mesmo tempo tentar escapar da justa crítica de que serão os mais pobres os mais penalizados por essa reforma.
Vão querer vender para a opinião pública a ideia de que a Reforma seria uma espécie de justiceira social, retirando dos mais privilegiados para os menos favorecidos. Nada mais mentiroso, a MP 871, do chamado “pente-fino” no INSS é a prova cabal de que os ataques aos direitos atingem, especialmente, os mais pobres. E serve como uma espécie de preambulo do que virá com a Reforma.
A MP usa como argumento a criação de regras mais duras contra fraudes e malversação dos recursos públicos. No entanto, o efeito concreto da MP é dificultar a vida do cidadão que efetivamente tem direito aos benefícios previdenciários, criando uma série de barreiras burocráticas, obstaculizando acesso aos benefícios do INSS.
Um governo que fala tanto em retirar o peso do Estado, desburocratizar a economia etc, mas cria um conjunto de regras que na prática, torna o acesso aos benefícios inatingível. A lógica da MP é grosseira, a economia virá da forma mais perversa possível, simplesmente quem tem direito não terá acesso a esse direito. Pelo visto, o tal Estado no cangote só serve para o patrão, para o trabalhador, evidentemente com menos recursos para acessar advogados etc, dá-lhe burocracia, até sufocá-lo pelo cansaço.
Apesar de todo o arrazoado de combate às fraudes e de que essa evidentemente deva ser uma preocupação Republicana, que aliás, já está ancorada numa série de mecanismos previstos em lei e uma série de procedimentos que já são aplicados de forma regular pelos técnicos do INSS, o texto da MP indica de concreto mesmo, novas regras que dificultam a vida de quem tem direito a benefícios previdenciários.
Vejamos alguns exemplos.
Na pensão por morte, a MP estabelece, a partir de agora, a exigência de prova documental para a comprovação de relações de união estável ou de dependência econômica, que dão direito à pensão por morte. Na legislação atual, a Justiça reconhece relações desse tipo com base em prova testemunhal. Parte do pressuposto que são justamente os parentes, amigos, vizinhos, que podem comprovar tal relação, de forma muito mais prática do que um documento registrado em cartório, que implica em custos. Vale ressaltar que na maioria das vezes, a não formalização em cartório da relação estável se dá justamente pelos custos e burocracias advindas disso.
Outra nova norma relacionada à pensão por morte e que tem a clara motivação de criar dificuldades burocráticas na expectativa de que as pessoas por desinformação percam seus direitos, é a que estabelece que filhos menores de 16 anos precisarão requerer o benefício em até 180 dias após o falecimento do segurado, sob pena de “decadência do direito de requerer o benefício”. Lembrando, antes não havia prazo para menores de 16 anos.
A MP também acaba com pagamentos em duplicidade, nos casos em que a Justiça reconheça um novo dependente, como filho ou cônjuge. Pela legislação atual, se uma relação de dependência é reconhecida, esse novo dependente recebe o benefício de forma retroativa, sem que haja desconto ou devolução de valores por parte dos demais beneficiários. A partir de agora, assim que a ação judicial de reconhecimento de paternidade ou condição de companheiro/a for ajuizada, parte do benefício ficará retida até o julgamento final da ação, de modo a cobrir a eventual despesa do INSS com pagamentos em duplicidade.
Em relação aos trabalhadores rurais, a MP também cria um série de barreiras. A nova norma prevê a criação, pelos Ministérios da Economia e da Agricultura de um cadastro de segurados especiais, que inclui quem tem direito à aposentadoria. Será esse cadastro a única forma de comprovar o tempo de trabalho rural sem contribuição a partir de 2020. Ou seja, se prioriza o formalismo de um cadastro, em detrimento de provas de trabalho efetivo no campo.
A regra atual fixa que os trabalhadores rurais são inscritos pelo INSS conjuntamente com entidades de classe, sindicatos e federação dos trabalhadores e órgãos estaduais, DF e municipais. Dois aspectos aqui são centrais, primeiro, que historicamente, a comprovação de vínculo, tempo de contribuição e tempo de serviço são dificultadas pelo caráter precário, informal, sazonal e muitas vezes em situação “análoga à condição de trabalho escravo” que permeiam as relações de trabalho no campo brasileiro. Segundo, são justamente os ministério que são adversários e perseguem direitos, que serão os responsáveis por esse cadastro.
No caso do auxílio-reclusão, as mudanças praticamente deixam esse direito inócuo. Na esteira de toda a campanha pejorativa criada pelos apoiadores do atual governo, como o de “bolsa-presidiário” etc, está o desconhecimento proposital da realidade da população carcerária brasileira. Agora só terá direito a esse benefício, o preso que tiver contribuído para o INSS por pelo menos 24 meses. Atualmente, basta que o segurado tenha feito uma única contribuição ao INSS, antes de ser preso, para que o benefício possa ser concedido aos dependentes. Essa nova regra, desconsidera a informalidade promovida pela reforma trabalhista e o alto índice de desemprego, entre outros aspectos específicos, como o segmento da juventude recrutada pelo tráfico, em que, obviamente, não há recolhimento ao INSS.
Outro aspecto preocupante, é que o valor do benefício passa a ser calculado pela média dos últimos 12 salários, diferentemente da regra até então vigente que tinha como piso o valor do salário mínimo. A desvinculação do salário mínimo é um dos objetivos chave para a equipe econômica, abrir essa possibilidade pode significar o achatamento do conjunto dos benefícios no país.
Em resumo, podemos constatar que em toda a MP prevalece o olhar neoliberal em detrimento dos direitos fundamentais dos segurados. Interesses administrativos, por mais importantes que seja, não podem se sobrepor a finalidade dos benefícios, isto é, atender a quem de fato tem tal direito.
Vale ressaltar que a população mais pobre já foi alvo de duas MPs restritivas de direitos
previdenciários ainda no governo Dilma, que houve um rigoroso “pente-fino” durante o governo Temer e que mais uma vez são o alvo preferencial. São os mais fracos que pagam a conta da crise.
Nossa bancada fez um conjunto de emendas à MP 871, no intuito de barrar o seu caráter arbitrário e regressivo. É preciso barrar esse conjunto de ataques, fortalecer a Previdência Pública e os quadros do INSS, assegurar a proteção social tão necessária num país de tanta injustiça social e desigualdade. Barrar a MP 871 é a antessala do que virá com a Reforma da Previdência. Não aceitamos que os trabalhadores paguem a conta da crise.
Ivan Valente – Deputado Federal PSOL/SP